Entra amanhã em vigor a lei que flexibiliza o acesso ao regime extraordinário de proteção de devedores de crédito à habitação

Entra amanhã em vigor a Lei n.º 58/2014, de 25 de agosto, que altera o regime extraordinário de proteção de devedores de crédito à habitação, aprovado pela Lei n.º 58/2012, de 9 de novembro.

A nova lei flexibiliza as condições de acesso dos clientes bancários ao regime extraordinário. Em termos gerais, as alterações introduzidas possibilitam o acesso ao regime por parte de agregados familiares com rendimentos mais elevados ou com imóveis de valor patrimonial tributário superior. Outra novidade importante consiste na possibilidade de acesso ao regime extraordinário por parte dos fiadores de contratos de crédito à habitação própria permanente que sejam chamados a cumprir as obrigações dos devedores originários e se encontrem em situação económica muito difícil.

1. Em que consiste o regime extraordinário?

O regime extraordinário de proteção de devedores de crédito à habitação confere um conjunto de direitos e de garantias aos clientes bancários em situação económica muito difícil que se encontrem a incumprir as obrigações assumidas ao abrigo de contratos de crédito à habitação própria permanente.

2. Quem pode solicitar o acesso ao regime extraordinário?

Podem solicitar o acesso ao regime extraordinário os mutuários de contratos de crédito à habitação própria permanente em situação de incumprimento que preencham as condições de acesso legalmente previstas.

Os fiadores dos referidos contratos de crédito podem igualmente solicitar o acesso ao regime extraordinário, caso tenham sido chamados pela instituição de crédito a assumir o pagamento dos montantes em dívida e se encontrem em situação económica muito difícil.

O acesso ao regime depende da verificação das seguintes condições:

Condições relativas ao contrato de crédito

O contrato de crédito, em situação de incumprimento, destina-se à aquisição, construção ou realização de obras em habitação própria permanente e é garantido por hipoteca sobre esse imóvel.

Condição relativa ao imóvel

O valor tributário do imóvel sobre o qual recai a hipoteca que garante o crédito à habitação é igual ou inferior aos seguintes montantes:

  • ­€ 100.000, se tiver coeficiente de localização até 1,4;
  • € 115.000, se tiver coeficiente de localização entre 1,5 e 2,4;
  • € 130.000, se tiver coeficiente de localização entre 2,5 e 3,5.

Condições relativas à situação económica do agregado familiar do devedor

O agregado familiar do devedor encontra-se em “situação económica muito difícil”, o que significa que preenche as seguintes condições:

  • ­O cliente bancário, o seu cônjuge ou a pessoa com quem viva em união de facto está em situação de desemprego ou o agregado familiar teve uma redução do rendimento anual bruto igual ou superior a 35% nos 12 meses anteriores à data de apresentação do requerimento;
  • A taxa de esforço do agregado familiar com créditos garantidos por hipoteca sobre a sua habitação própria permanente é igual ou superior a 50% (agregados sem dependentes), 45% (agregados com dependentes) ou 40% (agregados familiares com 5 ou mais pessoas). Se o requerimento de acesso for apresentado por fiador, a taxa de esforço terá em consideração, para além dos encargos decorrentes do contrato de crédito por si garantido, os encargos associados aos empréstimos nos quais intervém como mutuário;
  • O valor do património financeiro do agregado familiar é inferior a metade do seu rendimento anual bruto;
  • O seu património imobiliário é constituído apenas pela habitação própria permanente e, eventualmente, por garagem e imóveis não edificáveis até € 20.000;
  • O rendimento anual bruto do agregado familiar é igual ou inferior a 14 vezes o valor resultante da soma das seguintes parcelas: 100% do salário mínimo nacional por devedor (120% caso o requerente viva sozinho), 70% do salário mínimo nacional por membro adulto e 50% do salário mínimo nacional por membro menor.

 

3. Como aceder ao regime extraordinário?

Para aceder ao regime extraordinário, o cliente bancário tem de apresentar um requerimento à instituição de crédito.

As instituições de crédito podem solicitar ao cliente que entregue os documentos necessários para comprovar que as condições de acesso ao regime estão preenchidas. A emissão de certidões para este efeito está isenta do pagamento de taxas e de emolumentos.

As instituições de crédito devem informar os clientes do deferimento ou indeferimento do pedido de acesso, consoante as condições de acesso estejam ou não preenchidas, nos 15 dias seguintes à apresentação do requerimento ou à entrega dos documentos solicitados.

4.  Quais as garantias e os direitos dos clientes que acedem ao regime extraordinário?

Apresentação e deferimento do requerimento de acesso

Depois de apresentado o requerimento de acesso ao regime extraordinário, as instituições de crédito ficam impedidas de iniciar qualquer ação executiva contra o requerente que tenha por objeto o contrato de crédito à habitação.

Esta garantia mantém-se até que seja comunicado o indeferimento do requerimento de acesso ou, quando este seja deferido, até ao termo de vigência das medidas de proteção acordadas entre as partes.

Nas situações em que o requerimento de acesso ao regime extraordinário é apresentado na pendência de um processo judicial de execução relativo ao contrato de crédito à habitação, o seu deferimento tem como efeito a suspensão imediata dessa ação.

Plano de reestruturação

Após o deferimento do requerimento de acesso, a instituição de crédito deve apresentar ao cliente, no prazo de 25 dias, um plano de reestruturação do contrato de crédito.

O plano de reestruturação deve contemplar, pelo menos, uma das seguintes medidas:

  • Concessão de um período de carência, com ou sem redução do spread aplicável;
  • Alargamento do prazo de amortização do empréstimo;
  • Concessão de um empréstimo adicional autónomo para pagamento das prestações.

Complementarmente, as partes podem acordar a consolidação de parte ou da totalidade das dívidas do cliente.

As instituições de crédito não estão obrigadas a propor um plano de reestruturação ao cliente se não for possível, através da conjugação das várias soluções previstas, reduzir a taxa de esforço do agregado familiar para um valor igual ou inferior aos limiares estabelecidos para efeitos de acesso ao regime. Neste caso, o plano de reestruturação é considerado inviável.

Comissões e encargos

As instituições de crédito estão impedidas de cobrar comissões pela alteração dos termos e condições do contrato de crédito.

As instituições de crédito também não podem agravar os encargos financeiros com o empréstimo, nomeadamente aumentando o spread contratado.

Medidas complementares

Caso o plano de reestruturação seja inviável, as instituições de crédito devem iniciar negociações com vista à adoção de medidas complementares.

As medidas complementares podem ser quaisquer soluções de reestruturação do contrato de crédito que ainda não tenham sido aplicadas ou outras que mereçam o acordo das partes.

Para as instituições de crédito, a adoção destas medidas é, todavia, facultativa.

Medidas substitutivas

Se o plano de reestruturação for inviável e não tiver sido possível adotar medidas complementares, os clientes podem solicitar a aplicação de uma medida substitutiva.

Nesse caso, e salvo se existirem outros ónus ou encargos sobre o imóvel, as instituições de crédito devem propor uma das seguintes soluções:

  • Dação em cumprimento do imóvel, com extinção total ou parcial da dívida, e com possibilidade de o cliente permanecer no imóvel por um período de seis meses, mediante o pagamento dos juros do empréstimo;
  • Venda do imóvel a um Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH), com extinção total ou parcial da dívida, podendo o cliente permanecer no imóvel a título de arrendatário;
  • Permuta do imóvel por outro de valor inferior, com redução do capital em dívida no montante correspondente à diferença de valor entre os imóveis.

Lisboa, 23 de setembro de 2014

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