Código de conduta sobre a utilização de cláusulas que permitam a alteração unilateral da taxa de juro ou de outros encargos

Nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, na redacção em vigor, são proibidas as cláusulas contratuais gerais que atribuam a quem as predisponha o direito de alterar livremente o contrato, excepto se existir razão atendível que as partes tenham convencionado. Porém, tal proibição não se aplica a cláusulas contratuais gerais que, de acordo com o disposto neste mesmo diploma, "concedam ao fornecedor de serviços financeiros o direito de alterar a taxa de juro ou o montante de quaisquer outros encargos aplicáveis, desde que correspondam a variações do mercado e sejam comunicadas de imediato, por escrito, à contraparte, podendo esta resolver o contrato com fundamento na mencionada alteração".

Assim, de acordo com o disposto no referido diploma legal, que transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Directiva n.º 93/13/CEE, do Conselho, de 5 de Abril, a inclusão deste tipo de cláusulas – ditas de “jus variandi” – em contratos de crédito celebrados com consumidores não é proibida, desde que seja respeitado o princípio da boa fé e os requisitos legais assinalados.

Conquanto pertença aos tribunais a apreciação da validade das cláusulas contratuais, o Banco de Portugal tem vindo a acompanhar a prática das instituições de crédito neste domínio.

Reporte de minutas de contrato ao Banco de Portugal

O quadro de actuação do Banco de Portugal nesta matéria ficou reforçado com a Instrução n.º 24/2010, de 14 de Outubro, que veio impor às instituições de crédito o reporte a este Banco das minutas de contratos de crédito à habitação e de crédito aos consumidores, bem como das suas posteriores alterações. Com esta nova exigência de prestação de informação, o Banco de Portugal passou a dispor de mecanismos que lhe permitem, no quadro das suas atribuições legais, a realização de acções sistemáticas e transversais de fiscalização do teor dessas minutas, complementando a actuação que a este respeito já vinha desenvolvendo no âmbito da apreciação de reclamações e de acções inspectivas.

Como se deu nota no Relatório de Supervisão Comportamental, desde Outubro de 2010, foram reportadas ao Banco de Portugal, por 181 instituições de crédito, 1 108 minutas de contratos de mútuo, representando 3 814 produtos de crédito a particulares, dos quais 1 707 são relativos a produtos de crédito à habitação e 2 107 a produtos de crédito aos consumidores.

Boas práticas a observar pelas instituições de crédito na utilização de cláusulas de “jus variandi”

A análise sistemática e transversal a que o conjunto das minutas reportadas tem vindo a ser sujeito permitiu ao Banco de Portugal concluir pela frequente inclusão de cláusulas de “jus variandi” nesses modelos contratuais, quer nos relativos a contratos de crédito à habitação, quer nos que se referem a contratos de crédito aos consumidores.

O Banco de Portugal, no quadro das suas atribuições legais enquanto entidade responsável pela fiscalização da actuação das instituições de crédito, e sem prejuízo da já assinalada competência dos tribunais para a apreciação da validade das referidas cláusulas, tendo em conta os resultados da análise a que as minutas de contrato se encontram a ser sujeitas, entendeu divulgar orientações sobre as boas práticas que as instituições de crédito devem acolher e seguir sempre que decidam incluir, em contratos de crédito, cláusulas de “jus variandi”.

Essas orientações, transmitidas através da Carta-Circular n.º 32/2011/DSC, têm em vista promover a transparência, objectividade e proporcionalidade da actuação das instituições de crédito nesta matéria, fixando boas práticas quanto à redacção e conteúdo dessas cláusulas e estabelecendo princípios a observar pelas instituições de crédito no âmbito do eventual exercício das prerrogativas contratuais que as mesmas lhes conferem.

No que respeita à redacção destas cláusulas, o Banco de Portugal entende que:

(a) Apenas os factos externos ou alheios à instituição de crédito que sejam relevantes, excepcionais e tenham subjacente um motivo ponderoso fundado em juízo ou critério objectivo devem ser considerados “razão atendível”, ou ser indicados como correspondendo a “variações de mercado”, para os efeitos previstos na alínea c) do n.º 1 e na alínea a) do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, devendo os mesmos ser convenientemente detalhados nas cláusulas;

(b) Os consumidores devem dispor de pelo menos 90 dias para, após a comunicação das alterações por parte da instituição de crédito, ponderar o exercício do seu direito de resolução do contrato;

(c) Deve ser especificado o momento a partir do qual as alterações introduzidas unilateralmente pela instituição de crédito produzem efeitos, entendendo este Banco que essas alterações apenas deverão produzir efeitos no período de contagem de juro imediatamente seguinte ao termo do prazo de exercício do direito de resolução do consumidor;

(d) Deve ser prevista a reversão das alterações introduzidas quando e na medida em que os factos que as tenham justificado deixem de se verificar e estabelecidos os procedimentos necessários para a respectiva produção de efeitos.

Sempre que, de acordo com o disposto na lei e no contrato de crédito, as instituições de crédito estejam legitimadas a alterar a taxa de juro ou outros encargos de contratos de crédito, o exercício dessa faculdade deve obedecer ao princípio da proporcionalidade e assentar numa relação de causalidade entre, por um lado, o evento invocado e, por outro, o teor e alcance da alteração contratual que a instituição de crédito pretende introduzir.

Adicionalmente, o exercício do direito de alteração unilateral do contrato deve ser precedido de comunicação escrita ao consumidor, em que sejam claramente indicados os motivos subjacentes à decisão de alterar o contrato, as condições contratuais objecto de alteração, o prazo e a forma de exercício do direito de resolução e a data prevista para a produção dos efeitos da alteração.

Por último, o Banco de Portugal considera que as instituições de crédito também devem seguir estas orientações e princípios sempre que entendam incluir cláusulas que lhes permitam alterar as condições acordadas, nomeadamente a taxa de juro ou o montante de quaisquer encargos aplicáveis, em contratos de crédito celebrados com outros clientes, designadamente clientes empresariais.

 

Lisboa, 17 de Maio de 2011
Banco de Portugal

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